Após o terremoto de magnitude 7,2 que abalou o Haiti no dia 14 de agosto e resultou em cerca de 2.200 mortes, me lembrei de um terremoto ainda mais devastador, que atingiu a nação caribenha no dia 12 de janeiro de 2010, e de minhas experiências no país na semana seguinte.
Minhas primeiras memórias são as cenas de devastação e destruição, assim como o cheiro persistente e sufocante de morte e poeira de cimento. Mas, muito rapidamente, eles são ofuscados, à medida que recordo ter observado um povo forte e resiliente — especialmente os santos dos últimos dias com os quais nos associamos durante nossos oito dias no Haiti.
O fotógrafo Jeffrey Allred e eu acompanhamos uma equipe de voluntários, composta por 14 médicos e enfermeiras, e dois conselheiros dos Serviços Familiares, que haviam sido enviados por A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias para fornecerem atendimento médico e emocional de emergência a haitianos em situação critica. Chegamos uma semana após o terremoto de magnitude 7,0; Dennis Romboy e Mike Terry, colegas de trabalho da Deseret News, chegaram alguns dias depois.
Com o epicentro do terremoto próximo à capital de Porto Príncipe, e dezenas de subsequentes tremores secundários graves, o Haiti teve cerca de 230 mil mortos, aproximadamente 300 mil feridos e 1,5 milhão de desabrigados.
Recentemente, reli os resumos dos perfis dos haitianos que conhecemos em 2010 e seus exemplos de resiliência — Daniel Delva, nosso motorista de 27 anos de idade; Elien Verett, o “guarda-costas” de 9 anos de idade de Jeff; e Harry Mardy e Guesno Mardy, líderes da Igreja e irmãos, que tiveram que enterrar sua mãe e irmã, mortas pelo terremoto, enquanto se preocupavam com o filho de 2 anos de Guesno, que ainda estava desaparecido após ter sido sequestrado no mês anterior.
Lembro-me de uma mulher santo dos últimos dias que, provavelmente perderia uma de suas mãos, após destroços de sua casa terem caído sobre seu braço. Benjamin Louise Danixlla disse que estava se colocando nas mãos de Deus, mesmo que isso significasse perder uma de suas próprias.
E refleti sobre as interações com os membros da equipe médica voluntária na ocasião. Elas incluíam Liz Howell, especialista humanitária da Igreja, que transformou as dificuldades pessoais que enfrentou com a perda de seu marido nos ataques de 11 de setembro, em uma oportunidade para servir e amar no Haiti; Jeff Randle, médico da região de Salt Lake, que avaliou a situação da clínica de reabilitação desabada, a qual havia ajudado a estabelecer em Porto Príncipe; e Ray Price, cirurgião de trauma da região de Salt Lake, que declarou: “os atos realizados pelo povo do Haiti que presenciei me fazem acreditar que há esperança para a humanidade.”
Na época, a Igreja era relativamente pequena naquela nação empobrecida de 9 milhões de habitantes — apenas duas estacas e alguns distritos. Agora, onze anos mais tarde, o Haiti abriga cinco estacas, quatro distritos, 48 congregações, mais de 24 mil santos dos últimos dias e o Templo de Porto Príncipe Haiti.
Em 2010, foi anunciado que 20 membros morreram como resultado do desastre, com centenas contados entre os feridos.
Cerca de 4 mil pessoas — tanto membros quanto não membros — procuraram abrigo todas as noites nos arredores de várias capelas em Porto Príncipe.
Chegar às capelas — Centrale, Petion-Ville e Croix des Missions, entre outras — e passar pelos portões de entrada sempre causava uma pausa momentânea. Em cada local havia um edifício firme da Igreja, cercado por centenas de haitianos desabrigados em barracas, sob lonas, ou em cima de cobertores, ocupando quase todos os metros quadrados dos jardins e praticamente todos os estacionamentos pavimentados, caminhos de acesso e quadras esportivas.
Os líderes do sacerdócio caminhavam entre os desabrigados nos arredores da capela, procurando consolá-los enquanto perguntavam sobre suas necessidades, com hinos e orações conduzidos por megafones na escuridão da noite.
Élder Francisco J. Vinas, na época do Primeiro Quórum dos Setenta e presidente da Área Caribe, relatou emocionado a devastação que testemunhou ao passar dois dias e duas noites se reunindo com líderes do sacerdócio e membros haitianos. Ele expressou admiração pelos líderes locais e confiança de que eles ajudariam a atender às necessidades materiais e espirituais.
As salas de aula e os salões culturais das capelas se tornaram clínicas improvisadas, um escritório de secretário abrigou um sistema portátil de filtragem de água, e extensões conectadas a tomadas dentro do edifício forneciam eletricidade para recarregar telefones celulares. As pessoas que precisavam ter acesso ao edifício, independentemente do motivo, o tratavam com respeito e reverência. E bispos conscienciosos e agradáveis monitoravam o acesso, esfregavam o chão e cuidavam com amor das capelas — algumas das mais limpas que já vi no mundo todo — que estavam sendo utilizadas muito além das circunstâncias normais.
Os membros — especialmente os jovens adultos e os missionários retornados — ajudaram as clínicas fornecendo serviços de tradução, gestão de fluxo de pacientes e organização de documentos.
Os comitês do sacerdócio e de bem-estar se reuniam todas as noites para revisarem os esforços, discutirem as necessidades e traçarem planos para o dia seguinte. Os especialistas de bem-estar da Igreja e da região participavam em funções de apoio, fornecendo perspectiva e visão, mas nunca assumindo o controle.
Aceitei o desafio dos médicos e enfermeiras voluntários para vasculhar os bairros, encontrando ainda mais pessoas que precisavam de tratamento médico crítico.
Chorei ao ver a gravidade dos ferimentos e das infecções, assim como ao visitar algumas pessoas e descobrir que seus familiares haviam morrido no terremoto ou ainda estavam desaparecidos. Chorei ainda mais quando ouvi sobre o derradeiro sacrifício de uma irmã, que preservou a vida de seu pequeno filho ao usar seu próprio corpo como um escudo contra a queda de destroços durante o terremoto.
Depois das reuniões de domingo, 12 dias após o tremor inicial, bispo Severe Maloi, da Ala Freres, se emocionou ao contabilizar os 101 membros de sua ala — dois estavam mortos, outros dois haviam sido hospitalizados e corriam risco de vida e quatro se encontravam gravemente feridos. Ele nem teve coragem suficiente para contar os desaparecidos, acrescentando que outros bairros de Porto Príncipe haviam sofrido perdas semelhantes.
“Porém, lemos no Livro de Mórmon”, disse ele, “que muitas pessoas passaram por sofrimentos muito piores do que este.”