O Dia dos Pioneiros é um momento para histórias. Todos os anos, contadores de histórias aparecem em devocionais ao nascer do sol, ao redor de fogueiras e em mesas de jantar em família para deleitarem [a audiência] com histórias sobre nobres ancestrais, viajantes cansados e trabalhadores que construíram comunidades. Este estilo de narrativa remonta aos próprios pioneiros, que cantavam “mas se a vida Deus nos poupar, bem alto poderemos cantar.”
Mas a música dos pioneiros também valorizava a verdade como “joia de valor, que riquezas celestes traduz.” A maioria havia se convertido a uma nova fé, o que também exigia deixar para trás a família, as tradições e a pátria pela causa da verdade. Este ano, que possamos honrar o sacrifício desses pioneiros contando histórias verdadeiras, completas e sinceras.
A verdade
Começamos observando que a verdade por si só não é suficiente. Muitos enganos ocorrem combinando um pouco de verdade com outros erros. Nossas melhores histórias de pioneiros podem invocar uma frase usada nos tribunais de muitas nações — buscamos “a verdade, toda a verdade e nada mais do que a verdade.”
De fato, uma revelação moderna ensina que “a verdade é o conhecimento das coisas como são, como foram e como serão”, com a advertência adicional de que “o que for mais ou menos do que isto é o espírito daquele ser iníquo que é um mentiroso desde o princípio.” (Doutrina e Convênios 93:24–25; grifo do autor). Nossas melhores histórias de pioneiros apresentarão toda a verdade, incluindo tudo o que pudermos contar, removendo os erros que surgem com o tempo.
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Toda a verdade
A maioria das histórias não contém toda a verdade. Fatos verdadeiros são omitidos e esquecidos ao longo do tempo. Por exemplo, os relatos da chegada da companhia de vanguarda de Brigham Young, geralmente omitem que três dos participantes eram homens negros escravizados — Green Flake, Hark Lay e Oscar Crosby. O público que assiste aos oradores em púlpitos ladeados por bandeiras dos Estados Unidos, se esqueceram de que o Vale do Lago Salgado fazia parte do México em 1847 e, aquilo que hoje é o estado de Utah, já era habitado por aproximadamente 20.000 indígenas.
Frequentemente, o desafio mais insidioso para contar toda a verdade é a simplificação excessiva. Os contadores de histórias imaginam o passado como um tempo mais simples e seguro, como as cenas de uma pintura de Norman Rockwell. Complexidade e individualidade são muitas vezes vítimas de narrativas supersimplificadas.
Considere a última versão cinematográfica de uma história pioneira que você assistiu. Provavelmente a história se concentrou em uma ou duas famílias em uma única companhia pioneira. Muito provavelmente, os protagonistas da história puxaram um carrinho de mão sozinhos por uma paisagem árida. Você os viu subindo um morro com dificuldade, estremecendo na neve que soprava, racionando sua comida e chorando ao lado do túmulo de seu filho recém-nascido. Talvez você também tenha derramado uma lágrima antes de se alegrar com uma cena de resgate dramático.
A história completa dos pioneiros [em inglês] acaba sendo muito mais rica e muito mais interessante. Estima-se que 70.000 pessoas cruzaram as Planícies, e a taxa de mortalidade para o grupo era apenas ligeiramente superior à média nacional na época. Um terço das companhias fez a jornada sem uma única morte! Muitos dos pioneiros vieram de diferentes países e falavam línguas diferentes. Às vezes eles nem conseguiam entender um ao outro. Outras vezes, discordavam entre si. Às vezes eles carregavam estereótipos nacionalistas ou de caráter racial uns dos outros. Eles tiveram que deixar de lado seus próprios preconceitos e fraquezas para forjarem uma comunidade multinacional, multilíngue e multiétnica de santos, em busca de uma causa comum de Sião.
A história completa do feriado do Dia do Pioneiro muitas vezes omite seu próprio crescimento [em inglês], desde um devocional com festa de ação de graças em 1849 até um feriado oficial do estado [de Utah] hoje. Os acréscimos subsequentes de reuniões de pessoas idosas, rodeios, eventos esportivos [etc.], refletem a verdade de que as celebrações públicas evoluem com necessidades e interesses contínuos.
Nada mais do que a verdade
Muitas histórias também contêm exageros ou distorções que são adicionados posteriormente. Os bancos de neve se aprofundam, os caminhos sobem montanha acima, os peixes aumentam de tamanho, o comum é romantizado. Apresso-me a acrescentar que nem todos os autores e narradores de histórias de pioneiros exageradas possuem motivos perversos. Alguns procuram honrar um ancestral ou inspirar fé. Outros só querem dar uma lição ou parecer importantes e informados. Alguns mitos surgem da ignorância ou de uma intenção bem-intencionada de preencher as lacunas.
Muitos exageros relacionados aos pioneiros se conectam aos carrinhos de mão. Das cerca de 400 companhias pioneiras organizadas, apenas 10 eram companhias de carrinhos de mão. Dessas 10, oito fizeram a viagem sem incidentes significativos. Sim, as companhias lideradas por James G. Willie e Edward Martin sofreram dramaticamente mais, incluindo uma taxa de mortalidade cinco vezes maior que a média nacional, mas o caso delas foi muito restrito. No entanto, o carrinho de mão surgiu em filmes, obras de arte, estátuas, desfiles e música como a representação visual singular da experiência pioneira. Fazer do carrinho de mão o símbolo de toda a experiência pioneira e fazer das tempestades de neve o padrão para 20 anos de viagens por terra é um exagero da verdade em qualquer circunstância.
Uma história particularmente exagerada [em inglês] conta a respeito de um irmão idoso, sentado no canto de uma sala de aula da Escola Dominical, que declarou que nenhum membro da malfadada companhia de carrinhos de mão Martin jamais deixou a Igreja. O suposto irmão morreu em 1906 e o suposto ouvinte não compartilhou a história até 1943. Uma lista completa dos membros da companhia Martin não sobreviveu, mas daqueles que eram conhecidos por pertencerem à companhia, pelo menos quatro deixaram a Igreja mais tarde: dois se mudaram para Iowa e se juntaram à Igreja Reorganizada de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, agora Comunidade de Cristo, enquanto outro levou sua família de volta para a Inglaterra, onde se tornou ministro da igreja batista.
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É uma longa história
Muitas histórias de pioneiros contêm fatos e significados verdadeiros. Penso que essa é uma das razões pelas quais as pessoas podem sentir confirmações internas sobre elas: porque há [alguma] verdade nelas. O exagero também pode fazer com que as pessoas se sintam irritadas com essas histórias: porque há erros nelas. Como as histórias geralmente contêm verdades misturadas com exageros, é difícil tentar simplesmente desmascará-las, transformando-as em mitos. Em vez disso, devemos analisar cuidadosamente o seu conteúdo. Devemos valorizar o que é correto (a verdade), recuperar o que foi omitido (toda a verdade) e remover o que foi adicionado posteriormente (nada mais do que a verdade). Então devemos servir outra fatia de torta enquanto contamos histórias de pioneiros que são mais do que verdadeiras.
— Keith A. Erekson é diretor de pesquisa histórica e divulgação do Departamento de História da Igreja e autor de “Real vs. Rumor: How to Dispel Latter-day Myths. [Real vs. Rumor: Como desfazer mitos santos dos últimos dias]”