Antes de William F. “Buffalo Bill” Cody levar seu espetáculo do Velho Oeste para a estrada e se tornar uma celebridade mundialmente famosa, ele ganhou notoriedade e obteve lucros consideráveis atuando em palcos com dramas anti-mórmons.
Um deles apresentava o heróico Cody resgatando uma mulher levada cativa por um vilão e polígamo santo dos últimos dias. Outro reconstituía os eventos do Massacre de Mountain Meadows. Estas e outras produções teatrais retratavam os membros de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias de uma forma extrema e negativa.
Os espetáculos davam uma “percepção de Cody como alguém que defendia corajosamente os E.U.A. contra uma ameaça santo dos últimos dias”, disse Brent M. Rogers, autor e historiador.
No entanto, algumas décadas depois, Cody estava em Utah, se reunindo com líderes da Igreja, elogiando os santos dos últimos dias e os recrutando ativamente para colonizarem a região ao redor de sua cidade, Cody, no estado de Wyoming.
É uma relação interessante que Rogers desvendou ao longo de anos de pesquisa, registrada em um novo livro acadêmico, “Buffalo Bill and the Mormons” [Buffalo Bill e os Mórmons], publicado no início deste mês.
“É uma bela história da trajetória de um inimigo a amigo”, disse Rogers. “Há uma história fascinante e cheia de camadas, muitas coisas interessantes que estão acontecendo nesse relacionamento que evoluiu ao longo do tempo. É por isso que você mergulha na história, para aprender essas coisas.”

A reivindicação de Buffalo Bill
Conhecido como “Buffalo Bill”, Cody foi um soldado americano, caçador de bisões e apresentador de espetáculos, e uma das figuras mais famosas e conhecidas do oeste americano.
Como estudante de pós-graduação da Universidade de Nebraska, Rogers trabalhou nos Documentos de William F. Cody [em inglês] antes de ingressar no Departamento de História da Igreja e trabalhar nos Documentos de Joseph Smith [em inglês].
“Você realmente conhece figuras históricas e investe, de certa forma, em suas vidas, quando lê alguns de seus documentos pessoais”, disse ele. “Ganhei esse interesse, e até mesmo uma afinidade com Buffalo Bill, quando trabalhei naqueles papéis.”
Uma questão que incomodou Rogers é por que Cody afirmou ter ido para Utah quando tinha 11 anos durante a Guerra de Utah, de 1857-58. Outros historiadores dizem que Cody inventou a afirmação e não há evidências que ele tenha estado lá.
“Por que fazer essa afirmação? Por que isso teria sido importante em 1879, quando ele lançou sua autobiografia, se provavelmente não era verdade?”, Rogers disse.
A investigação dessa questão levou Rogers a aprender mais sobre as conexões entre Cody e os primeiros santos dos últimos dias.

A expedição de 1892
Em sua pesquisa, Rogers identificou duas fontes principais de informação que o ajudaram a montar o quebra-cabeça.
A primeira foi o diário de Junius F. Wells [em inglês], um do santo dos últimos dias, que ele encontrou na Biblioteca de História da Igreja. Wells [em inglês] organizou a Associação de Melhoramentos Mútuos dos Rapazes e mais tarde serviu como historiador assistente da Igreja.
Em 1892, Wells e outros escoltaram Cody em uma expedição que alterou a percepção as relações, através do Arizona, Grand Canyon, sul de Utah e até Salt Lake City, disse Rogers. Wells descreveu parte do que aconteceu em seu diário, incluindo uma visita à casa do santo dos últimos dias, Edwin Woolley, em Kanab, Utah.
Antes de se sentar para comer, Woolley pediu a Cody que fizesse a oração. Embora não fosse particularmente religioso, Cody sentiu o cheiro da comida, baixou a cabeça e fez esta oração: “Deus abençoe as mãos que fizeram as tortas de creme.”
Quando chegaram a Salt Lake City, Wells apresentou Cody e outros à Primeira Presidência, que então incluía os Presidentes Wilford Woodruff, George Q. Cannon e Joseph F. Smith. Presidente Woodruff registrou em seu diário que Cody e a companhia “ficaram muito satisfeitos com a visita a Salt Lake City.”

Prentiss Ingraham, que se juntou ao grupo como correspondente da Impressa de Nova York, disse que “Presidente Woodruff era um homem maravilhoso aos 86 anos” e falou a um jornalista sobre a “genialidade de Presidente Woodruff, depois de passar por quase meio século de total e quase implacável agitação.” Após suas reuniões com a Primeira Presidência, Cody e Ingraham expressaram gratidão por “toda a cortesia que lhes foi demonstrada.”
Depois de quase duas décadas apresentando os santos dos últimos dias de uma forma negativa, Cody elogiou sua fé e hospitalidade, dizendo, entre outras coisas, que os membros da Igreja “nos trataram com grande consideração.”
Cody se encontrou novamente com a Primeira Presidência no ano seguinte, na Feira Mundial de Chicago, e lhes deu ingressos para seu Espetáculo do Velho Oeste.
“Esse foi um momento importante para o relacionamento… e para a percepção pública sobre os santos”, disse Rogers. “Ter o homem mais famoso dos E.U.A. oferecendo relatos positivos, depois de ter passado por várias cidades de santos dos últimos dias e interagido com membros da Igreja, ajudou muito as pessoas a entenderem quem os santos realmente eram.”

Santos na Bacia de Big Horn
A segunda fonte principal foi uma carta escrita em março de 1900 por Cody para Abraham Woodruff, filho de Wilford Woodruff, descoberta nos Documentos de William F. Cody.
No final da década de 1890, Cody estava lutando para estabelecer sua cidade, Cody, na Bacia de Big Horn, noroeste do Wyoming. O famoso apresentador de espetáculos precisava de um grande número de colonos para desviar a água do rio Shoshone.
O modelo ideal não estava longe.
“Basta observarmos o que os [santos dos últimos dias] fizeram no grande Vale do Lago Salgado, que na época de sua colonização era o mais desolado dos desertos; eles fizeram com que florescesse como a rosa, e hoje não há estado mais próspero e rico no continente, levando em consideração todas as circunstâncias, do que Utah”, escreveu Cody a um especulador de terras em 1898.

Cody se reuniu com Abraham Woodruff e outros santos dos últimos dias em fevereiro de 1900 e generosamente lhes ofereceu dezenas de milhares de hectares gratuitamente. Os santos aceitaram a oferta e 100 famílias se mudaram para Wyoming, onde começaram a construir canais de irrigação e infraestrutura. Eles também ajudaram a construir ferrovias na área.
Rogers disse que o relacionamento entre Cody e os santos dos últimos dias ficou um tanto tenso mais tarde, quando Abraham Woodruff pediu milhares de hectares adicionais em uma localização privilegiada. Cody respondeu que não e não gostou quando Abraham Woodruff tentou usar relações políticas para influenciar a decisão de Cody. Ele acabou cedendo o terreno aos santos dos últimos dias quando soube que o governo federal pretendia aproveitá-lo para construir uma barragem.
Apesar dessas negociações comerciais, Cody continuou a elogiar publicamente e a dizer coisas edificantes sobre os santos dos últimos dias.
Um templo em Cody, Wyoming
Mais de 120 anos depois de Cody conhecer Abraham Woodruff, Presidente Russell M. Nelson anunciou um templo para Cody, Wyoming, durante a conferência geral de outubro de 2021.
“O anúncio, e eventual construção do templo na cidade de Cody, completa o círculo da história de Buffalo Bill e dos santos dos últimos dias, e une os dois para sempre”, disse Rogers.
A história de Cody com os santos demonstra que é possível ir além dos estereótipos e preconceitos, se as pessoas estiverem dispostas a ouvirem os outros e a compartilharem experiências.
“Creio que é um bom exemplo do que pode ser aprendido e observado, ao pensarmos sobre Buffalo Bill e seu relacionamento com os santos dos últimos dias”, disse Rogers.
