Desde “Romeu e Julieta” de Shakespeare até livros e filmes românticos modernos, a cultura popular está há muito tempo saturada com a ideia de “almas gêmeas”: a crença de que cada pessoa está destinada a um relacionamento perfeito e único.
Mas esta ideia não só é falsa, como também é prejudicial ao desenvolvimento de relacionamentos promissores, disse Jason Carroll, diretor da iniciativa familiar do Instituto Wheatley da Universidade Brigham Young [em inglês].
O “pensamento da alma gêmea” cria “crenças de destino”, disse Carroll: a ideia de que um relacionamento deve ser ou não deve ser. Assim, sempre que surgem dificuldades no relacionamento, as pessoas com pensamento da alma gêmea podem presumir que simplesmente não estão namorando a pessoa certa, mesmo que o relacionamento tenha potencial.
Carroll foi recentemente o pesquisador principal em “The Soulmate Trap: Why Embracing Agency-Based Love is the Surest Path to Creating a Flourishing Marriage” [A armadilha da alma gêmea: por que abraçar o amor baseado na escolha é o caminho mais seguro para se criar um casamento bem-sucedido – em inglês]. Ele foi acompanhado pelo professor Adam Galovan, da Universidade de Alberta e pelo professor associado da Universidade Utah State, David Schramm.
Publicado pelo Instituto Wheatley, o estudo analisou 615 casais, e descobriu que “a conexão duradoura em relacionamentos românticos resulta mais das virtudes pessoais e dos esforços intencionais dos parceiros, do que do amor espontâneo e da centelha emocional”, disse um comunicado da BYU à imprensa [em inglês].
“Vemos evidências de pontos fortes de relacionamento sendo criados, sendo cultivados, em vez de serem [apenas] encontrados”, disse Carroll, acrescentando: “Em vez de tentar encontrar o seu ‘par perfeito’, nossa pesquisa realmente aponta para a importância de se criar um ‘casamento único’, que realmente coloque o compromisso, o investimento e os comportamentos proativos em primeiro lugar.
Em contrapartida, o pensamento da alma gêmea pode levar à “paralisia do namoro”, disse Carroll, na qual uma pessoa não avança em nenhum relacionamento, ficando presa enquanto espera pelo mito do “par perfeito.”
Com o pensamento da alma gêmea, “começamos a enxergar as pessoas como produtos”, disse ele, vendo o relacionamento em termos de “isso está me deixando feliz?” em vez de “como posso ser um parceiro melhor?”

Casais de alta conexão vs. casais de baixa conexão
O estudo comparou casais de “alta conexão” e de “baixa conexão”, observando fatores de relacionamento como virtudes pessoais (compromisso, compaixão, foco no outro), ações responsáveis (gentileza, tempo de qualidade, manutenção do relacionamento) e resultados do relacionamento (satisfação e significado na vida).
Carroll disse que a “satisfação conjugal” tem sido usada como variável de resultado primário em pesquisas sobre casamentos desde a década de 1930. Mas ele e sua equipe sentiram que “satisfação” é difícil de se definir, por isso, em vez de utilizarem esse modelo, criaram um modelo de “conectividade relacional”, que se concentra em fatores como a força da intimidade na relação, a qualidade da relação do casal, conexão e o quanto os parceiros estão crescendo.
“Esse tipo de abordagem de medição, em vez da satisfação, realmente nos ajuda a distinguir quais são os... casamentos bem-sucedidos”, disse ele.
As descobertas do estudo incluem:
- Os cônjuges em casamentos com alto nível de conexão têm uma pontuação quase três vezes maior, em termos de comprometimento com o relacionamento, do que os cônjuges em casamentos com baixo nível de conexão (pontuação média de 72% versus pontuação média de 26%).
- Os cônjuges em casamentos com alto nível de conexão têm uma pontuação média de 60% de foco no outro, em comparação com 21% para os cônjuges com baixa conexão; e os cônjuges com alto nível de conexão têm uma pontuação média de 56% de compaixão, em comparação com 18% para os cônjuges com baixa conexão.
- Casamentos com alta conexão têm pontuação três vezes maior em comportamentos proativos, do que casais com baixa conexão, especificamente em passar tempo significativo juntos (71% vs. 19%), praticar atos de bondade um pelo outro (72% vs. 18%) e perdoar ofensas no casamento (70% vs. 21%).
- Os casamentos com alta conexão têm uma pontuação quase duas vezes maior, do que os cônjuges em casamentos com baixa conexão em comportamentos de manutenção do relacionamento, como resolver problemas e encontrar maneiras de fortalecer o relacionamento (53% vs. 30%).
- Os cônjuges em casamentos com alta conexão têm uma pontuação quase duas vezes maior, do que os cônjuges em casamentos com baixa conexão em seus índices de satisfação com a vida (63% vs. 27%) e na quantidade de significado que têm em sua vida (60% vs. 30%).
Carroll disse que um dos maiores mitos da cultura moderna do namoro é que uma pessoa se comprometerá com um ótimo relacionamento quando o encontrar. Mas, na realidade, não existe um ótimo relacionamento sem compromisso, disse ele.
Os casais de alta conexão, que constroem proativamente seu relacionamento, são uma prova disso, disse ele. “[O estudo] nos dá uma boa noção de que esses [comportamentos de alto comprometimento] são realmente os alicerces de um casamento amoroso e duradouro.”

Criando um relacionamento duradouro
O pensamento da alma gêmea também pode estar contribuindo para o aumento da idade média das pessoas ao se casarem, e para taxas mais altas do que nunca de pessoas que nunca se casaram. O Pew Research Center [em inglês] informou que, em 2023, apenas 29% dos jovens adultos com idades entre 25 e 29 anos eram casados, em comparação com 50% em 1993; e em 2021, um quarto dos norte-americanos com 40 anos nunca tinha sido casado [em inglês], contra apenas 6% em 1980.
Carroll disse que, para alguns, um “casamento adiado” está se tornando um “casamento abandonado”. E o pensamento da alma gêmea pode estar influenciando essa tendência, ao convencer as pessoas de que, se o relacionamento estiver certo, elas saberão disso com absoluta certeza, disse ele.
Uma abordagem mais saudável é reconhecer que o crescimento e as dificuldades fazem parte de qualquer processo de amadurecimento ao abordar os problemas à medida que surgem, continuou ele.
Isso não quer dizer que comportamentos verdadeiramente prejudiciais ou abusivos devam ser ignorados, esclareceu Carroll. Mas diante dos altos e baixos do “curso da vida”, o pensamento da alma gêmea pode criar expectativas irrealistas sobre como deveria ser um relacionamento.
Outro aspecto importante dos relacionamentos é uma trajetória de namoro saudável, continuou ele. O compromisso não deve acontecer de uma só vez; em vez disso, deve progredir ao longo do tempo, desde o compromisso com um único encontro, até ao compromisso com um namoro exclusivo, até levar ao compromisso com o casamento. O momento exato pode parecer diferente para cada casal, então o segredo é estar atento para saber quando o relacionamento está pronto para progredir.
Mas se alguém está constantemente pensando em outras possibilidades de namoro, “isso é muito diferente da mentalidade de perceber que… ‘preciso encontrar [alguém com] valores compartilhados… e então conseguiremos fazer isso. Temos que desenvolver [o relacionamento]’”, disse Carroll, acrescentando: “Se você analisar um casamento próspero mais de perto… você encontrará esses comportamentos proativos e essas virtudes pessoais.”
Carroll incentivou os adultos solteiros a buscarem o namoro intencionalmente e a buscarem valores compartilhados.
Ele também os lembrou que “o amor sempre favorece os ousados.”
“Há a questão da coragem no namoro… Não fique muito preocupado com a rejeição inicial ou com [pessoas] que não retribuem”, disse Carroll. “Se você continuar fazendo esses esforços… eles geralmente tendem a ganhar alguma força e [há] algumas oportunidades que surgirão.”