NOTRE DAME, Indiana — Nos anos que se seguiram após o apoio da Igreja à Proposição 8 da Califórnia em 2008 [iniciativa que bania o casamento de indivíduos do mesmo sexo], Élder Alexander Dushku, na época um advogado envolvido nas negociações entre grupos LGBT e religiosos, aprendeu lições importantes sobre a pacificação.
“Se a liberdade religiosa deve ser o meio do florescimento humano … então deve conduzir a uma paz justa e habitável entre as facções em conflito, para que todos possam prosperar”, disse Élder Dushku, Setenta Autoridade Geral e conselheiro geral de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.
Ao participar da Cúpula de Liberdade Religiosa de Notre Dame de 2024 [em inglês], realizada no estado norte-americano de Indiana na quinta-feira, 11 de julho, Élder Dushku refletiu sobre a “Liberdade Religiosa em uma Era Polarizada”, e compartilhou o que aprendeu após a Proposição 8, sobre construir respeito e amizade com pessoas de crenças diferentes.
Em 2008, os líderes de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias incentivaram os membros a apoiarem a aprovação da Proposição 8 da Califórnia, que inseriu a definição tradicional de casamento na Constituição da Califórnia.
Juntando-se a muitas outras organizações religiosas neste esforço, os líderes da Igreja basearam o apoio da Proposição 8 na sua “crença de que a definição tradicional de casamento é melhor para os pais, filhos e sociedade”, disse Élder Dushku. A Igreja se via como “participante no processo democrático em uma questão de debate legítimo e de política pública.”
Mas muitos gays e lésbicas na Califórnia, e em todo o país, viam a Proposição 8 de forma bastante diferente, continuou ele. “Eles a viam como uma negação, não apenas do status do casamento e de seus benefícios, mas também da igualdade de dignidade e cidadania. A raiva e a angústia eram muito reais. E o mesmo aconteceu com a reação, especialmente contra a Igreja de Jesus Cristo.”

Durante seus comentários como parte de um painel de discussão sobre liberdade religiosa, Élder Dushku disse que estava pensando em seu amigo Bill Evans [em inglês], um ex-funcionário da Igreja que faleceu em 26 de junho deste ano. Um “homem caloroso e gentil”, Evans apoiou a aprovação da Proposição 8 da Califórnia.
Mas Evans, que liderou a equipe de relações governamentais da Igreja, era um pacificador, não um guerreiro cultural, disse Élder Dushku. “Alguns meses depois da Proposição 8, Bill e alguns outros representantes da Igreja começaram a se reunir discretamente em Salt Lake City com um pequeno grupo de pessoas da comunidade LGBT. Eles conversaram, mas não realmente sobre política ou abordagem. Pelo menos não no início.”
Em vez disso, disse Élder Dushku, eles “conversaram sobre histórias”, compartilhando “sobre famílias e amigos, sobre interesses e objetivos de vida comuns, sobre fé, amor, tragédias e esperança, as coisas comuns que todos enfrentamos na vida.”
O objetivo dessas primeiras reuniões não era mudar crenças ou políticas públicas, disse ele. Era simplesmente aprender e compreender uns aos outros. “Ao longo de meses e anos dessas interações, as amizades cresceram, assim como a compreensão e a confiança.”
O círculo de discussão se expandiu e Élder Dushku foi convidado a participar.
“Com o tempo, aprendemos a conversar uns com os outros sobre assuntos delicados”, disse Élder Dushku, observando que “as diferenças e os mal-entendidos eram muitas vezes resolvidos sem as explosões da mídia e a retórica dura, as quais se tornavam cada vez mais comuns.”
A partir desta base de amizade e confiança, Élder Dushku, na época um advogado do escritório de advocacia Kirton McConkie, se juntou aos líderes do grupo de defesa Equality Utah e iniciou negociações sobre a possibilidade de adicionar os direitos LGBT e as proteções religiosas à lei de direitos civis de Utah, proibindo discriminação no emprego e na habitação.
O resultado foi o “2015 Utah Compromise” [Compromisso de Utah de 2015].
“A aprovação final na Legislatura de Utah foi incerta, dramática e tensa, com cada lado sendo levado ao seu limite emocional”, disse ele. “Oponentes e apoiadores choraram. Mais tarde, o júbilo na cerimônia de assinatura foi estrondoso, com muitos abraços e lágrimas.”
A nova lei, disse Élder Dushku, passou a simbolizar e ensinar “uma combinação de respeito, igualdade, liberdade, reconhecimento, inclusão, comunidade e compromisso”.
Mas o que aconteceu foi notável, disse ele.
A cultura e a retórica de um estado muito conservador mudaram em resposta à lei, “não apenas as palavras da lei, mas o processo através do qual as partes se uniram para promulgá-la.”
“Utah”, disse ele, “continua sendo um dos estados sexualmente mais conservadores do país. Mas é também um dos que mais apoiam os direitos básicos contra a discriminação injusta das pessoas da comunidade LGBT. Ainda existem tensões e conflitos periódicos, com certeza, mas como comunidade, Utah está muito menos polarizado do que antes.”

Pouco depois do Compromisso de Utah, Élder Dushku esteve envolvido em um esforço muito mais complexo, entre organizações religiosas conservadoras e grupos LGBT moderados, para redigir alterações à Lei Federal dos Direitos Civis de 1964, que protegeriam tanto os direitos LGBT como a liberdade religiosa.
Eles também começaram a se conhecer melhor. “O ponto de partida foi o reconhecimento de que discordávamos em certas questões fundamentais e que isso não mudaria, mas também que, como norte-americanos, concordávamos em muitas outras questões, como desejar uma sociedade que tratasse todas as pessoas com decência e respeito.
“E assim passamos centenas de horas exaustivas em salas de conferência de hotéis em grandes cidades e áreas rurais remotas. Houve inúmeras teleconferências, chamadas via Zoom e e-mails. As negociações se arrastaram por meses e depois anos. Houve muitos impasses. As emoções e frustrações às vezes eram grandes. Houve gritos e lágrimas, iniciativas diplomáticas, desculpas e reconciliações.
“Mas também houve risos e conversas sobre cônjuges, familiares e amigos, e sobre coisas que nada tinham a ver com os direitos LGBT e a liberdade religiosa. Tornamo-nos amigos e colegas, determinados a criar uma solução justa para o enigma dos direitos LGBT/liberdade religiosa, ou pelo menos uma que fosse suficientemente justa.”
InEm 2019, eles introduziram no Congresso dos E.U.A. a Lei de Justiça para Todos. “O projeto de lei, com todos os seus compromissos bem ajustados, é muito longo e complexo — provavelmente longo demais e complexo demais. Quase todos o odiaram.”
Alguns denunciaram o projeto de lei por ser uma “licença para discriminar” pessoas da comunidade LGBT. Outros se opuseram a ele por incluir os direitos LGBT na lei federal e por não ter isenções religiosas suficientemente amplas.
Ele não foi aprovado.
Mas, mais uma vez, o esforço rendeu lições importantes.
Élder Dushku disse que eles aprenderam a examinar cuidadosamente o que cada lado realmente precisa.
“O esforço nos ensinou a sermos mais práticos e menos ideológicos.
“Ele nos ensinou a ouvirmos com atenção e a compreendermos pontos de vista opostos.
“Ele nos ensinou a respeitarmos e confiarmos uns nos outros de novas maneiras, e a nos comunicarmos a partir de uma posição de respeito e confiança.
“Isso nos ensinou que temos muito mais em comum do que pensávamos originalmente, que na verdade concordamos com a maioria das verdades, não com todas, mas com a maioria.”
Élder Dushku disse que nenhum dos grupos religiosos que participaram mudou a sua doutrina ou crenças sobre casamento, família, gênero ou sexualidade, ou a expressão dessas verdades. E nenhum dos defensores dos direitos LGBT abandonou a busca por maiores proteções dos direitos civis para as pessoas LGBT.
“E ainda assim, anos depois, muitos de nós ainda somos amigos e mantemos contato regular.
“Jesus Cristo ensinou no Sermão da Montanha: ‘Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus’ (Mateus 5:9)”, disse Élder Dushku. “Como alguém que se esforça para ser um discípulo de Jesus Cristo, passei a ver mais claramente que o esforço para promover uma liberdade religiosa duradoura deve levar em conta o mandamento de Jesus de sermos pacificadores.”