NOTRE DAME, Indiana — Há mais de uma década, David Palmer, um cristão e empresário de Indianápolis, conheceu a necessidade imediata da população de moradores de rua de sua cidade.
Homens, muitos deles com vícios ou antecedentes criminais, precisavam de emprego. Palmer prometeu ajudar.
Ele fundou a Purposeful Design [Design com Propósito – em inglês], uma empresa sem fins lucrativos de construção de móveis, que trabalha com grandes complexos de escritórios em Indiana.
Entre esses notáveis clientes está a Universidade de Notre Dame, disse G. Marcus Cole, reitor da Faculdade de Direito de Notre Dame.
Discursando em 10 de julho durante a Cúpula de Liberdade Religiosa de Notre Dame de 2024 [em inglês], em Notre Dame, Indiana, Cole fez referência a Palmer, que morava na sofisticada Carmel, Indiana.
“Se vocês perguntarem a David Palmer o que ele está fazendo, ele lhes dirá que não está construindo móveis, mas sim ‘construindo’ homens”, disse ele.
Desde a sua criação, a Purposeful Design ajudou mais de 300 homens sem-teto a encontrarem um estilo de vida melhor.
Alguns desses indivíduos conseguiram usar sua renda para comprar a sua primeira casa, se estabelecendo em uma área dominada pelo crime chamada “the Swamp” [o Pântano – em inglês], localizada perto da fábrica da Purposeful Design. Eles realizaram mudanças na área, construindo playgrounds e organizando grupos de vigilância de bairro. A taxa de criminalidade caiu.
Em seguida, mercearias e escolas se mudaram para o bairro.
E Palmer também.
“David Palmer deixou sua grande e luxuosa casa em Carmel e se mudou com a família para uma casa no Pântano”, disse Cole.
Por quê? “Ele lhes dirá que se sentiu chamado por Deus para usar suas habilidades para servir aos necessitados. David Palmer não apenas acredita em Deus, ele vive sua crença”, disse Cole.
Cole disse que Palmer é um exemplo do que está faltando em nossa narrativa sobre liberdade religiosa. “Precisamos enfatizar o bem que a religião pode trazer”, disse ele.

Restaurar a ‘fé na fé’
Cerca de 200 acadêmicos, defensores e líderes religiosos de renome, vindos de mais de 10 países, se reuniram no campus da Universidade de Notre Dame para discutirem sobre o tema “Despolarizando a Liberdade Religiosa”, durante a Cúpula de Liberdade Religiosa de Notre Dame de 2024.
Durante este período de polarização política e cultural, a melhor forma de defendermos a liberdade religiosa é “restaurar a fé na fé”, lhes disse Cole.
“Devemos provar ao mundo secular, que o mundo é um lugar melhor com a liberdade religiosa ou de crença”, mesmo para aqueles que não acreditam, disse ele.
Ao dar as boas-vindas aos convidados no campus, Cole disse que a cúpula acontece em um momento importante.
Em 2024, mais da metade da população mundial estará empenhada na eleição de novos governos nacionais, disse Cole. Nas últimas semanas, por exemplo, França, Reino Unido e Índia acabaram de realizar eleições e, ainda este ano, os Estados Unidos elegerão um presidente.
Mas o desafio, para aqueles que conhecem a importância da liberdade religiosa, é separar a liberdade religiosa da política. “Para que a liberdade religiosa floresça, não pode ser uma questão da direita ou da esquerda”, disse Cole. “Ela não pode ser propriedade de conservadores ou liberais. Não pode ser valorizada por alguns e ridicularizada por outros.”
A liberdade religiosa, disse ele, deveria ser defendida por todas as pessoas de fé e pessoas sem fé.
Ainda assim, ao discursar no evento de gala da noite, Cole disse que as pessoas de fé devem ser atenciosas quando falam sobre liberdade religiosa ao resto da sociedade.
Falar sobre liberdade religiosa pode parecer uma língua estrangeira para alguns, disse ele. “É uma linguagem assustadora, uma linguagem ameaçadora.”
Nos últimos anos, os defensores da liberdade religiosa obtiveram vitórias tremendas e árduas em tribunais, disse ele.
Mas “estas vitórias legais são passageiras, se não vencermos também no tribunal da opinião pública”, disse Cole. “Conquistamos vitórias da mente. Também precisamos conquistar vitórias do coração.”

O florescimento da fé religiosa
Padre Robert Dowd, presidente da Universidade de Notre Dame, disse durante a cúpula que, em seu melhor, as comunidades religiosas unem as pessoas, apesar das diferenças, e “as convidam para algo mais elevado, mais profundo e mais verdadeiro do que qualquer ideologia pode conter.”
Elas também podem inspirar as pessoas a fazerem sacrifícios por outras além dos seus grupos de afinidade. “Isto é crucial para o funcionamento de qualquer sociedade decente, especialmente uma sociedade que se autodenomina uma democracia”, disse o padre Dowd.
“A liberdade e o florescimento da fé religiosa, a fé que alimenta a fome espiritual, e muitas vezes a fome física, que constrói comunidades e elimina divisões sociais, é a chave para um futuro justo, pacífico e humano.”
Élder Alexander Dushku, Setenta Autoridade Geral e conselheiro geral de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, disse: “Se a liberdade religiosa deve ser o meio do florescimento humano … então deve conduzir a uma paz justa e habitável entre facções conflitantes, para que todos possam florescer.”
Stephanie Barclay, diretora da Notre Dame Religious Liberty Initiative [Iniciativa de Liberdade Religiosa de Notre Dame], também falou sobre a importância da adoração em uma sociedade polarizada.
Ela observou que, à medida que aumenta o número de pessoas que não frequentam uma igreja, “temos outra oportunidade perdida onde as pessoas podem se sentar em um banco de igreja com alguém de quem discordam, que vê o mundo de forma diferente.”
John Inazu, da Universidade de Washington em St. Louis, abordou o tema sobre aprender a discordar em meio à polarização. “A mudança social não acontecerá sem a mudança individual”, disse ele. Tudo começa com ouvir, aprender, perdoar e compreender.
Busca pela verdade
A liberdade religiosa em si não deveria ser polarizada, disse o bispo Kevin C. Rhoades, durante a cúpula. “Na verdade, os americanos parecem concordar que a liberdade religiosa é importante.”
Fazendo referência ao índice de liberdade religiosa do Fundo Beckett e a um relatório recente do Pew Research Center [Centro de Pesquisas Pew], o bispo Rhoades disse que a maioria dos americanos “pensa que a religião é boa para a vida pública. A ideia de que as pessoas deveriam ser livres para praticar a sua religião parece estar profundamente enraizada no imaginário norte-americano.”
Então qual é o problema?
“Parece que muitas das nossas divergências têm a ver com onde deveriam estar os limites da liberdade religiosa”, disse ele.
A liberdade religiosa não é um direito incondicional e não se pode reivindicar o direito de liberdade religiosa para cometer uma injustiça, ou causar danos ao bem-estar comum, disse ele.
“Muitas pessoas que desejam restringir indevidamente a liberdade religiosa parecem se entender, como se estivessem simplesmente impondo restrições razoáveis à prática religiosa”, disse ele.
Bispo Rhoades disse que a busca pela verdade deveria ser o ponto de referência para todos os que procuram despolarizar a liberdade religiosa.
“A liberdade religiosa não é um pretexto para o indivíduo se envolver em qualquer atividade que desejar”, disse ele. “A ideia é que, quando procuramos a verdade religiosa e depois passamos a acreditar que a encontramos, uma obrigação é imposta sobre nós de prosseguirmos nesta busca e de nos comportarmos à luz da verdade tal como a entendemos.”
A religião, disse ele, é algo que vem de fora do indivíduo. “Não é algo que eu invento. Em vez disso, antes de mais nada, a religião trata de verdades que são descobertas.”
Por exemplo, pessoas de fé constroem hospitais e escolas porque é nisso que acreditam que Deus quer que façam.
“A religião é fundamentalmente uma questão de verdades que fazem certas reivindicações sobre a nossa vida, reivindicações que são mais importantes do que as reivindicações de qualquer governo terreno. Se a religião em todas as suas permutações envolve a verdade que é descoberta, e não feita, então a liberdade religiosa é uma questão de permitir às pessoas espaço para a procurarem e encontrarem.”
O que está faltando na narrativa?
Nos esforços para proteger a liberdade religiosa, as vitórias da lei e dos tribunais de liberdade religiosa são importantes, disse Cole. Mas a liberdade religiosa é uma batalha que deve ser vencida através de contestação legal e em um tribunal de opinião pública. “E esse tribunal está em cada coração. Não podemos conquistar corações com a razão. Devemos conquistar corações com amor.”
Nos Estados Unidos, disse Cole, a liberdade religiosa “tem produzido muito amor.”
O maior fornecedor de cuidados de saúde neste país é a Igreja Católica. A Igreja Católica também é a maior fornecedora de educação nos Estados Unidos. “E esses números são multiplicados por ordens de magnitude em todo o mundo, especialmente nas comunidades mais pobres do mundo.”
Todos os anos, A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias doa mais de US$ 1 bilhão a 190 países em todo o mundo, e outras tradições religiosas fazem o mesmo, disse ele.
“Estas ações não são obrigatórias por lei, nem pagas com impostos. Este trabalho é uma expressão de fé, enraizada no amor. A religião é boa para o mundo. Mas só pode ser bom para o mundo se formos livres, não apenas para acreditar, mas para realmente vivermos nossas crenças. A Liberdade Religiosa nos permite a liberdade de mostrar aos outros que os amamos. E deveríamos fazê-lo.”
As vitórias legais nos tribunais não são suficientes, disse Cole.
“Em um mundo politicamente polarizado, estas vitórias legais só durarão enquanto as pessoas acreditarem que a religião é uma coisa boa.”


