Na primavera de 1883, Belle Harris, uma mulher santo dos últimos dias de 23 anos de idade, se recusou a responder as perguntas sobre seu casamento plural com o ex-marido perante um grande júri no tribunal de Beaver, Utah.
Como resultado, a jovem mãe e seu bebê ficaram detidos na Penitenciária Territorial de Utah por mais de três meses. Enquanto estava atrás das grades, Harris escreveu sobre sua experiência constrangedora em um diário.
Uma transcrição do diário de prisão de Harris [em inglês] foi publicada on-line e agora está disponível para visualização, anunciou A Imprensa do Historiador da Igreja na terça-feira, 21 de fevereiro de 2023.

“The Prison Journal of Belle Harris” [O Diário de Prisão de Belle Harris] é o único registro, do qual se tem conhecimento, de uma mulher que foi presa por acusações relacionadas à poligamia. Embora algumas outras pessoas tenham cumprido pena na penitenciária, Harris ficou detida por mais tempo e foi a única mulher a documentar sua experiência, disse Kenneth Adkins, especialista em história da Igreja, de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.
“Esta é a experiência de uma jovem mãe santo dos últimos dias que está passando por momento muito difícil em sua vida pessoal, de uma maneira muito pública”, disse Adkins. “Isto me dá fé e me lembra do tipo de serviço que posso prestar.”
“É poderoso ler e ouvir suas palavras, a maneira como ela pensou sobre sua experiência, o modo como ela defendeu algo que era uma profunda crença religiosa”, disse Matthew McBride, diretor de publicações do Departamento de História da Igreja.
“Não há como questionar a sinceridade, a fé e a coragem de Belle Harris, quando você lê o diário.”
Quem foi Belle Harris?
Isabelle Maria Harris nasceu em Willard, Condado de Box Elder, Território de Utah, no dia 15 de abril de 1861. Seu avô paterno, Emer Harris, era irmão de Martin Harris, uma das Três Testemunhas do Livro de Mórmon.
Belle Harris fez parte da primeira geração de santos dos últimos dias que foi criada no oeste dos Estados Unidos, e uma das últimas a praticar o casamento plural.
Em 1862, sua família atendeu ao chamado de Presidente Brigham Young para servir na Missão Cotton, na região remota do sul de Utah. Enquanto a família residia em Parowan, Utah, o irmão de Belle, Charles E. Harris, iniciou um relacionamento comercial com Clarence Merrill, genro do Apóstolo George A. Smith.
Belle se tornou a terceira esposa de Clarence Merrill aos 18 anos de idade. O casal teve dois filhos antes de se separarem e, mais tarde, se divorciarem.

Por que Belle Harris foi presa?
Devido a seu casamento com Merrill, Harris foi levada perante o grande júri em 1883.
Depois que a lei Edmunds anti-poligamia de 1882 foi sancionada, as autoridades federais do Território de Utah intensificaram os esforços para prender, julgar e condenar os santos que praticaram o casamento plural. Merrill estava entre os acusados.
“Você já foi casada?” Harris foi questionada. “Se sim, com quem você se casou e onde?”
Quando Harris se recusou a testificar contra seu ex-marido, o grande júri determinou que ela havia desacatado o tribunal, e o juiz Stephen P. Twiss ordenou que ela pagasse uma multa de $ 25 dólares e permanecesse sob custódia do Oficial de Justiça dos Estados Unidos. Harris então viajou para Salt Lake City e foi encarcerada na penitenciária territorial com seu filho de 10 meses, Horace, a quem ela estava amamentando.
Harris ficou presa por 106 dias, de maio a agosto de 1883, até que o grande júri foi dispensado e ela foi liberada.
Como foi a vida de Harris na prisão?
Não existiam alojamentos para mulheres na prisão, pois elas raramente eram presas durante esta época. Harris não ficou alojada com os prisioneiros do sexo masculino. Os funcionários da prisão criaram um espaço para ela, e Harris recebeu alguns privilégios, incluindo visitantes regulares que lhe trouxeram várias coisas: desde comida caseira até materiais de costura, papel para escrever e livros.

Harris recebeu muitas visitas de ministração de mulheres santos dos últimos dias, incluindo Eliza R. Snow, Emmeline B. Wells, Presendia Huntington Kimball, Zina Huntington Young, Mary Isabella Hales Horne, Romania Bunnell Pratt e Bathsheba Bigler Smith.
Ela também foi visitada por homens santos dos últimos dias, incluindo George Reynolds, Charles W. Penrose, A. Milton Musser e seu advogado, Scipio A. Kenner.
“Os santos realmente se uniram para apoiá-la e tornar sua estadia na penitenciária algo que fosse suportável”, disse Adkins.
Outros visitantes, como oficiais ou outros homens da lei, tentaram fazer com que ela cedesse e testificasse para que pudesse deixar a prisão. Harris não cedeu, e eles frequentemente saíam com uma expressão perplexa.
Harris registrou no dia 24 de maio de 1883 (com os erros de ortografia intactos): “Para aqueles que não entendem nossa religião, como posso pensar em ficar aqui quando responder a duas ou três perguntas garantiria minha liberdade, é um mistério perfeito. (...) Não sou tão covarde porque, em vez de ajudar a fornecer provas que sei que foram calculadas para marcar [causar] danos, ousei enfrentar os terrores de um covil de criminosos. Aqueles que me acusam de covardia não são, na minha opinião [avaliação], dignos da atenção de uma mulher que não tem medo de fazer valer seus direitos e os de seu povo.”
Sua história foi publicada em jornais regionais e nacionais, e seu nome ficou conhecido entre os santos dos últimos dias.
Apesar do apoio e da atenção, Harris expressou ansiedade e tristeza por estar detida na prisão por tempo indeterminado. Seu bebê estava sempre doente, e ela se sentia alvo de perseguição religiosa.
Em seu registro de 29 de julho de 1883, ela escreveu [em inglês]: “Não consigo deixar de me sentir muito só e anseio por estar entre os meus amigos (...) Tenho muito pelo que ser grata, mas há momentos em que não consigo deixar de ficar deprimida em espírito (...) é difícil para mim ouvir os abusos lançados sobre os santos dos últimos dias e, em especial, sobre a presidência de nossa igreja.”
Existem outros diários escritos por Harris?

Não se sabe da existência de nenhum outro diário escrito por Belle Harris, porém detalhes adicionais sobre sua vida estão disponíveis em uma biografia escrita por seu irmão, Silas A. Harris [em inglês].Por que ela só escreveu sobre sua experiência na prisão? Talvez porque precisasse de algo para ocupar seu tempo, disse Adkins.
“Creio que, em parte, ela estava entediada”, disse ele. “Ela recebeu doações de papel e lápis, e acho que foi incentivada por algumas destas mulheres, como Emmeline B. Wells, que era muito dedicada em escrever em seu diário, e Eliza R. Snow, que talvez a tenha motivado a registrar estas coisas.”
Ela também pode ter tido uma noção clara da singularidade histórica de sua situação, disse McBride.
Por que ler o diário de prisão de Harris?
Após o falecimento de Harris, em 1938, sua família doou o manuscrito original de seu diário — 72 páginas escritas à mão — à Igreja.
“Não é um registro muito longo”, disse McBride. “No entanto, é muito fascinante, pois ela é uma escritora eloquente.”
O diário oferece a estudiosos, membros da Igreja e outros leitores uma visão pública da vida prisional feminina no século XIX e os desafios de uma mulher santo dos últimos dias comum, que se encontra no meio de uma luta política entre a Igreja e o governo dos Estados Unidos, com respeito ao casamento plural.
“Os santos dos últimos dias que lerem o diário de Belle poderão não estar familiarizados com sua luta, mas estarão familiarizados com sua fé”, disse Adkins. “É um diário muito convincente. (...) Quando as pessoas leem este diário, elas se identificam com a narrativa.”
O diário pode ser lido e pesquisado on-line gratuitamente em ChurchHistoriansPress.org/Belle-Harris [em inglês].
Ênfase contínua na história das mulheres
O diário de prisão de Harris é o projeto mais recente de uma série de publicações que dão ênfase às mulheres santos dos últimos dias. Outras publicações produzidas nos últimos anos incluem:
- Os Discursos de Eliza R. Snow.
- Os diários de Emmeline B. Wells.
- ‘No púlpito:185 Anos de Discursos de Mulheres Santos dos Últimos Dias’ [em inglês].
- Os Primeiros 50 Anos da Sociedade de Socorro [em inglês].
“Grande parte de nossa motivação para publicar o diário de Belle é devido ao compromisso contínuo, no Departamento de História da Igreja, com a história das mulheres”, disse McBride. “Estamos aprendendo, repetidamente, o quanto as experiências e as contribuições das mulheres são significativas para a Igreja. Este é outro empenho para mostrar e elevar as vozes e as contribuições das mulheres como parte da nossa história.”
Beller Harris é citada em “Santos, Volume 2”, “Os Primeiros 50 Anos da Sociedade de Socorro” [em inglês] e “Os Diários de Emmeline B. Wells ” (ver 18 de maio de 1883) [em inglês].
“Achamos que seria uma grande oportunidade de pegar um documento sem igual e fazer de Belle mais do que uma nota de rodapé, colocá-la no primeiro plano e dizer que esta foi sua história”, disse McBride.
McBride disse que mais projetos estão em andamento. Há planos de publicar, de maneira semelhante ao diário de prisão de Harris, um registro escrito por uma das primeiras mulheres da Igreja a servir missão de tempo integral.
O Departamento de História da Igreja também está patrocinando um simpósio sobre mulheres, religião e registros, no qual apresentará o trabalho de vários estudiosos ilustres no sábado, dia 25 de fevereiro. Inscrições podem ser feitas em churchhistorianspress.org [em inglês].